quinta-feira, 29 de abril de 2010

TOP MODEL

12:15 – toca o telefone, voz de homem, frenética: a Carol tá chegando no vôo das 15 no Salgado Filho, e disse que vai direto pro motel. Já dei o endereço pra ela, que disse que é só largar as coisas no apartamento do tal amigo e encontra vocês lá, pelas 3 e meia.

13:18 – depois da entrega das provas, e com o alívio geral da turma – toda passada (alguns raspando) na assustadora Matemática, graças a Arquimedes –, foram, como combinado, comemorar o final daquele ano num almoço com a professora – que, por conta dos malditos prazos de fechamento de semestre, estava praticamente sem dormir: passara as últimas três noites corrigindo provas. Mas “pela moral da tropa”, como costumava dizer, aguentava. – Afinal, o pessoal se esforçou, e o primeiro ano não é fácil...

15:10 – o avião, a não ser pelo leve atraso, aterrissa sem problemas. Ao contrário de Carol. Que não enjoa com avião, mas aquele camarão de ontem... Também, depois de um dia inteiro, praticamente com uma maçã e uma garrafinha de água mineral, a fome bateu direto. Sem contar que adora camarão.

15:29 – depois do almoço, das cervejas e... das vodcas, com a professora vendo todos ao quadrado... pois, além das noites em claro, bebia pouquíssimo. “Nossa, como tá jogando esse barco!” e lembrava de outra festa, a da formatura. – Ué! E aonde é que foi todo mundo? – perguntou pro... – como é mesmo o nome dele? deixa pra lá... graaande garoto! Repetiu três vezes o Cálculo l, mas, o que tem de taapaa... desculpe, de não entender lhuuufas de matemática, tem de gentileza – e fez um brinde com o copo vazio na direção do aluno.
– Você vai ficar bem? (há muito já tinham abolido a senhoria) Tem certeza? Eu preciso ir. Tenho que levar meu irmão ao judô, prometi pra minha mãe. A Ana, a Raquel e o Caco ainda estão aí; qualquer coisa, eles te levam pra casa.
– Que nada! Tá falando com uma velha guerreira!... tô bem, ó – e, tentando fazer um quatro com as pernas, cai sentada na cadeira. Com esforço, se recompõe. – Só vou tomar uma... água. Cooom licença.
– Eu peço.
(minutos depois)
– Tá na mão!... Agora eu tenho mesmo que ir. Tem certeza de que não quer uma carona com a Raquel? Eles já tão indo, parece...
– Capaaazzz.
– Tá bom, a gente se vê amanhã no Campus – e lhe dá um rápido beijo no rosto.
– Fazer o quê?... deixa ver... perna direita... já pagaram a conta?... perna esquerda... pô, aquele pessoal já foi. O que é que eu vou ficar fazendo nesse bar? Com esses bebuns me olhando...
(já na rua)
– Ok, missão cumprida: saí do bar! Onde é que eu tô? Deixa ver... ah, lembrei!... Eu tô em Teresópolis... é isso. Pra chegar em casa... um táxi. Claro!... um táxi. Feito varinha de condão... ou seria de abóbora?... Será que é agora que eu viro abóbora? Acho que eu tô precisando é de mais água. Deixa ver... se eu entrar ali...

(entra num motel)
– Moça, porsh favor – e senta num sofá, tentando parecer normal. – Você poderia me ver um copo dágua e... um quarto!?... Preciso dar uma dooormidinha – fala pra recepcionista, que a olha como quem já viu de tudo e promete nunca mais se espantar.

15:33 – assim que pega a chave com o zelador, Carol, largando sua bagagem na sala, ainda com a porta aberta, corre direto pro banheiro pra vomitar. “Logo fico bem, só preciso me deitar um pouquinho” – considera, enquanto se arrasta até a cama, e desmaia.

15:51 – com a demora da modelo, a equipe começa a se angustiar.
– Nando, a Carol ligou pra você? Até agora nada...
– Tudo bem, vou ligar pra ela. Magda, só não esquece: assim que terminar aí, vem direto pra cá e passa as fotos pro Xande. A revista e os outdoors têm que estar na rua depois de amanhã sem falta.

16:00 em ponto – a professora Maria Elisabete recebe a chave do quarto 105. Na espera, de papo com a simpática arrumadeira, que lhe ofereceu um cafezinho, aproveitou e mandou um engov, que havia sido gentilmente deixado em cima da mesa do bar pelo atento pupilo. Também aproveitou e escovou os dentes, no toalete, com a mini escova que carregava sempre na bolsa, já se sentindo um pouco melhor. Pegando a chave, começou a subir as escadas.

16:11 – Nando desiste, o celular de Carol chama, e nada. Liga pra Magda.
– Liguei pro aeroporto, o vôo não atrasou. Ela, com certeza, chegou. Guenta as ponta, que daí a pouco ela tá estourando por aí – e desliga.

16:12 – Carol acorda – havia pegado no sono, num sono pesado – por conta de algo que vagamente lembrava a musiquinha de seu celular. Num supremo esforço, tenta se levantar, indo até a sala pra pegar o aparelho. – Puxa! Deixei a porta aberta... – percebe. – Droga! desligaram... Ai! e a bateria tá morrendo... Tudo bem, deve estar aqui na mochila... Droga, aonde é que eu?... Ôps... – e outra vez dispara pro banheiro. Com a coisa se complicando. Além do vômito, agora vem uma baita diarréia. – Caceta!...
Volta um tempo depois e se atira na cama, zoando. Mas, ainda – pelo dever! –, depois de alguns instantes em que parece se recuperar um pouquinho, estica-se na direção da mesinha de cabeceira, onde está o aparelho fixo do Beto.
– Meeeeerda! Esse filho da mãe tá com o telefone mudo! Era só o que faltava! Puta que o pariu!...

16:13 – depois de zanzar, tonta, pelos corredores, além de subir e descer escadas, procurando o tal quarto 105, que parece ter se evaporado, Maria Elisabete, se debatendo num terreno pantanoso entre a semiconsciência e a desesperada busca da luz no fim do túnel, resolve pedir ajuda: “Vou perguntar praquele pessoal. O que será que tão fazendo aqui... em bando?... – e dá um risinho sarcástico de louca mansa. – Safadinhos, hein!... Aposto que vieram pra uma suruba.”

– Pô, até que enfim você chegou. Demorou, hein?... Mas graças a deus, você está aqui – Magda respira, aliviada.
A professora estranha um pouco o comitê de boas vindas, mas fica feliz. Pelo menos, achou o quarto. Vê a cama, e imediatamente vai em sua direção. – Com liceeença, agora eu vou é cair nos braços de... Alfeu... ou Alceu?... deixa pra lá... por mim, podia ser até o Pepeu... – e ri, feliz, se arrastando até o travesseiro, e puxando um lençol sobre si.
– Tá tudo bem? – pergunta Magda, captando algo sutilmente insólito no comportamento da top, enquanto traz de novo o lençol para baixo. “Essas gurias são meio malucas mesmo, acho que é porque passam tanta fome. Sem contar os remédios para emagrecer. Olha a magreza desta, e as olheiras!... Parece que não dorme há três dias! Engraçado... parece um pouco mais velha... e eu poderia jurar que tomou umas a mais. Bobagem, deve ser o stress da viagem, sem contar a vida que levam. Bem... haja fotoshop. Mas é interessante... nesse tipo brasileiro-europeu. Não dá pra dizer que é bonita, e pra feia também não serve... Bem, vamos às fotos...”
– Tá tudo bem, mesmo?
– Sim – responde Maria Elisabete, puxando de novo o lençol e afofando o travesseiro.

O cabeleireiro e o maquiador, ignorando o estado da moça, dão início aos trabalhos. O iluminador termina de acertar as luzes, que, na máxima potência, cegam, e, ao mesmo tempo, terminam por acordar a intrépida mestra – já mais animadinha por conta do cafezinho e do engov.

– Pô, se eu soubesse que é assim que hoje em dia tratam as pessoas nos motéis, até viria com mais frequência... Parece um spa! Quando vinha com o Tro não era assim... – fala para a equipe, que ri, achando-a uma graça. – E a hidro? Tem hidro? Quero um banho de hidro! – aproveita, meio de gozação.
– Se você prefere... só que... havíamos pensado em deixar essas por último... – sussurra Bira, o fotógrafo, agora totalmente absorvido pelo seu trabalho.
– Essasss... o quê? – dá um arroto, num eflúvio de vodca com cerva, e sente sua mente chacoalhar como um liquidificador cheio de logaritmos e equações, enquanto cabeleireiro e maquiador se protegem como podem.
A equipe finge nada ver, o tempo é implacável.

17:10 – Malditos camarões! – berra Carol, desabando na cama, desgrenhada e lambuzada pelo próprio vômito, e, mais uma vez, sentindo nova golfada a lhe subir pelo esôfago.

No exato instante em que, com apenas uma parte do cérebro funcionando, a professora faz outra pose – e uma careta, que entende por sorriso – para o flash, já a mil no que considerava uma brincadeira e, na verdade, nem entendendo muito bem o que estava acontecendo.

19:07 – Feito! – sem muito tempo para papo, na pressa e guardando o material, declara Bira. – Ficou ótimo. Nada como lidar com profissional.
– Ok, Nando, tá tudo em cima, tô indo pra aí. A Carol foi perfeita – algariada, festeja Magda, no celular.

– Tem certeza de que quer mesmo ficar aí? – insiste André, o iluminador com Maria Elisabete, que, pela última vez volta a se enfiar entre os lençóis, com o sono, pelo efeito da agitação, agora batendo pra valer, e uma cara de satisfação que dá até pena tirá-la dali. – Não gostaria de pelo menos ir pra um hotel de verdade? A produção banca...
Magda, olhando de novo o relógio, entra em pânico.
– Tenho que ir. O que é que eu faço com essa louca? – pede, baixinho, socorro ao fotógrafo. – Saco!... Bem, se quer ficar, é problema dela, o meu é correr, senão sobra pra mim. De mais a mais, não sou babá de marmanja.
– Tá bom, garota, vou deixar o quarto pago, ok? Beijinhos!... Tiau, foi um prazer, até a próxima.
– Encontrei esses comprimidos no bolso – diz André, tirando um pequeno comprimido de um frasco e colocando-o numa mesinha. – Aspirina... se por acaso precisar. – E sai, apagando a luz, sem se dar conta de que havia pegado o frasco errado antes de sair de casa e, aquele, não era exatamente de aspirina, e sim de um bom sonífero, com 500mg por comprimido.

23:00 – Carol, despertando num susto, vê o monitor do relógio elétrico piscando, histérico, a hora parada. E que já é noite fechada. – God!... Devem ter ficado putos... – e se conforma, sem forças para descer até a rua e catar um orelhão. “De qualquer jeito, nem adianta. Amanhã ligo bem cedinho e explico. Afinal, acidentes acontecem... Puta que pariu! Tava esquecendo, amanhã tenho que voltar, senão Cacá me mata e... adeus Fashion Week. Bom, amanhã...” – e desiste, de vez.

23:32 – Magda, com a consciência tranquila pelo dever cumprido, põe o rádio-relógio para despertar às 6:30. O dia não vai ser fácil. Terá que ficar em cima do pessoal da gráfica o tempo todo. Quase dormindo, um último pensamento ainda cruza, desgovernado, a sua cabeça: “que fim terá levado a tal tatuagem da Carol? a que combinamos que o maquiador teria que dar um jeito?...”

9:31 da manhã, dia seguinte – Carol, ainda com a cabeça latejando, numa chuveirada fria e rala, menos por opção e mais pelo desleixo de Beto, considera, arrependida: “apartamento de amigo, nunca mais”. Pegando o primeiro táxi, se manda pro aeroporto; lá, de um orelhão, liga pro Nando.
A secretária atende e passa para o próprio, que parece estar em alto astral. – Fala, Carol! E aí, tudo bem, garota? Olha, segundo a Magda, as fotos ficaram ótimas. Já estão quase rodando.
– Como é que é?... Nando, Nandinho...
– Ah, menina, desculpe, mas não tô podendo falar, tão me chamando.
– Nando, espera. Deve ter havido algum engano.
– É sério, tenho que ir. Agente se fala. Tiau. Não te preocupa, tu ficou ótima. O Brasil inteiro vai te ver amanhã.
– Nan...
Pi, pi, pi, pi.

19:19 – Maria Elisabete, acordando na penumbra, num crepúsculo de consciência, se dá conta de estar num quarto desconhecido. Aos poucos e a custo, voltando a si, vai retomando um sonho, muito louco, em que luzes, câmeras e... – ri, por dentro, pois nem pra isso tem força. E desaba para o outro lado.

7:00 – jovem operário colocando um outdoor: – Ôôôôô! tudo o quê eu pedi a Deus, cumpadi!... Olha isso, Alaor!...

8:15 – pálida e morta de vergonha por ter acordado num motel, sem saber direito como chegou ali, preocupada com a hora em que acabaria aparecendo no campus, Maria Elisabete entra num táxi. Vai com a idéia fixa de passar em sua casa para pegar as provas corrigidas, sabe que este é o último dia para a entrega. Sem dar maior importância, vê dois operários num andaime colando a última folha de um outdoor. O sinal fecha, e o carro pára. Do outro lado, no da calçada, numa banca de revistas, a foto, que parece ser a mesma do outdoor, agora lhe chama a atenção. Sufocando, mal querendo acreditar, se dá conta, por fim, da tragédia!...
Com nada mais do que dois laços cor de rosa em lugares estratégicos e um, passando transversalmente no cartaz: “Desembrulhe este presente! Não perca a edição de aniversário da sua revista preferida! Já nas bancas! Carol como veio ao mundo” – ela, a professora Elisabete.

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  3. ah!
    .
    belíssima top model, graças a um bebum amigo e a uma moçoila anoréxica morta de fome.
    .
    me avise onde está o outdoor q por lá vou passar, fessora.
    .
    adorei o nadinho e sua vibração! ê guri bão!

    ResponderExcluir