domingo, 16 de maio de 2010

A Pracinha (esse conto tava abandonado num canto do meu computador, merecia um trato, reconheço/ faz parte dos contos reunidos em No Motel, que deu nome ao blog)

Ele não se lembra direito se foi numa quarta ou numa quinta. Mas lembra daquela visão, naquela tarde, daquele mulherão, que baixou, graças a deus, na pracinha que ele fazia a segurança.
Tinha dado um chuvisqueiro, e depois parou. Em geral, lá não acontecia muita coisa, e por isso ele tinha que fazer uma baita força para não pegar no sono. Ouvia o radinho, levantava, esticava as pernas, às vezes lia um jornal que o doutor Armando lhe deixava na entrada, mas, na maior parte das horas, ficava mesmo era olhando as crianças. Ainda era solteiro, não tinha filhos e, por isso, criança não lhe chamava muito a atenção. Este, era apenas um emprego, e emprego é emprego e pronto, não tem que gostar. Para quebrar a rotina, já fazia um mês que por ali tinha chegado o Manchinha, um cachorrinho vira-lata e espertinho, todo preto, com um pedaço da orelha direita branca, uma lindeza! e amigo, como só os cães sabem ser dos guardas, tanto que Paulo já estava pensando até em adotá-lo. E era isso.
Às vezes alguma empregadinha gostosa, ou uma madame interessante (mas com as madames ele não costumava se meter, sabia que podia dar rolo). Ficava fresteando, discretamente, mas não passava disso.
Com aquela mulher foi diferente. Desde o primeiro dia, ele não apenas ficou impressionado com a sua beleza, mas principalmente notou que ela olhava pra ele. Não olhava assim descaradamente, como uma puta, mas dava umas olhadinhas e, rapidamente, quando era flagrada, desviava o olhar. E afinal, o que é que uma mulher, sozinha, sem criança nenhuma ia fazer numa pracinha?

Nas quintas, Amélia saia mais cedo. Era o dia de visita de Marisa, a filha de dona Malva, e por isso, era dispensada mais cedo do serviço. Quinta também era dia de cinema mais barato, e Amélia adorava cinema. Adorava tanto, que começou até a fazer um curso de teatro. Mas tanto quanto cinema, Amélia adorava balanço. Desde guria, adorava ter aquela sensação de que estava voando, quase alcançando as nuvens... E naquele dia, como Marisa tivesse chegado meia hora mais cedo, ela resolveu então, dar um tempo na pracinha.
Dia desses, Dona Malva, para quem estava trabalhando de acompanhante desde o mês passado, pediu para pegar um sol, e ela descobriu a tal praça. Naquele dia, ela não teve coragem de deixar a velhinha sentada sozinha e ir se balançar. Mas jurou que ia voltar. E ali estava. Mas aquele guarda... com certeza, ele não estava ali no primeiro dia. Puxa! será que ele não vai embora? e se eu sentasse no balanço, será que ele ia dar bronca? Droga! também... porque inventaram essa proibição para maiores de doze anos... que bobagem... ela não ia quebrar o balanço... nem era gorda... será que era pra não dar mau exemplo? que adulto tinha que trabalhar e pronto, que esse negócio de ficar se balançando era coisa pra criança... bem, deixou pra lá esses pensamentos tristes e resolveu dar mais um tempo. Podia ser que ele fosse embora.

Pontualmente ao meio-dia, Paulo começava seu turno. A pracinha ficava na entrada de um complexo esportivo. E o lugar era de uma tranqüilidade total, com homens e mulheres de todas as idades, jovens atletas, velhos que vinham fazer a sua caminhada diária, enfim, todos passavam, cumprimentavam e se iam. Nunca houve maiores problemas.
Pracinha não tinha assalto, afinal o que é que iam roubar... os balanços? Até tinha ouvido falar de que no Rio de Janeiro tinham roubado um orelhão, e que depois foi achado num barraco numa favela, servindo de berço.
Paulo começou seu dia cumprimentando alguns conhecidos freqüentadores, brincou com algumas crianças, recebeu a visita de Manchinha e por ali ficou, ouvindo seu radinho. Dia normal. Até se esqueceu da dona. Quer dizer, por um momento chegou a pensar: será que ela vem? depois... voltou aos próprios pensamentos.
Mais uma vez, na tardinha, um pouco antes de soarem os sinos da igreja, chega a morena. Dessa vez de jeans, colado no corpo, cabelo molhado e óculos escuros.
Paulo levou um susto. Era ela! de novo! Claro que essa mulher estava a fim de alguma coisa.
Ana se irritou em vê-lo ali mais uma vez. Mas... se eu falasse com ele, podia ser... vai saber! Demais a mais, esses caras que trabalham com segurança, em geral são jogo duro, fazem o tipo cdf e acham que lei é lei e pronto... Se, pelo menos, a Dona Malva me dispensasse um pouquinho de manhã, acho que ele só vem à tarde, eu vinha aqui e ia mandar ver. Puxa, eu não tenho coragem pra falar com ele, hoje pelo menos não. Amanhã quem sabe, é... eu volto amanhã. Pode ser até que ele tenha uma dor de dente ou quebre uma perna (e aí, meio que se arrependeu de ter desejado isso para o pobre, que apenas fazia o trabalho dele). Não, não posso ser má. Só queria que ele fosse tomar um cafezinho e ficasse lá por uma meia hora, só isso já tava bom...

No dia seguinte, Ana não pode ir, pois Dona Malva precisava de uma nova receita de óculos e teve que consultar sua médica. O consultório ficava muito longe, e quando voltaram, já era tarde. Ana teve que sair correndo pra aula de teatro.

Na manhã, ao levar de novo Dona Malva para um passeio na pracinha, e como ficasse com mais vontade ainda de se balançar, jurou que dessa tarde não passaria. Hoje iria andar de balanço, de qualquer jeito, nem que tivesse que falar com o tal guarda.
Era o dia do aniversário de Paulo, que fazia vinte e cinco anos, e, por isso, antes dos funcionários do centro esportivo irem embora, fizeram uma festa surpresa para ele, na própria pracinha. O diretor mandou a sua secretária encomendar um bolo, convidaram as faxineiras, o jardineiro, alguns professores e até alguns atletas, para comemorar a data. Pela tarde inteira, o guarda recebeu abraços e felicitações, pois era muito querido por todos.
Ana olhava de longe, sabendo que naquela tarde, nem com banda, teria coragem de se aproximar do rapaz.
Paulo, sem namorada há horas e carente, mais uma vez viu a sua chance de se dar bem ir embora. Vontade de convidar a moça para comer uma fatia de bolo, e tirar a limpo essa história, não faltou. Mas, com o pessoal ali, era impossível. E, se o diretor descobrisse que ele estava dando em cima de mulher em local de trabalho... adeus emprego!
Sem conseguir tirá-la da cabeça, foi para casa pensando. Quem é essa mulher? Será que é solteira, casada? Hoje em dia, não se sabe, o que tem de mulher casada dando em cima de cara solteiro... parece até que a mulherada só pensa naquilo. Ficam falando que elas querem é amor, que mulher só pensa em casamento, mas não é o que parece.
Ana, dessa vez, estava puta com ela mesma. Porque não falava? afinal, que mal tinha em ouvir um não? mas, sabia que morreria de vergonha, e depois, com que cara iria levar a Dona Malva para os seus passeios de novo? Tá certo, o guardinha só aparecia na tarde e a Dona Malva tomava o seu sol de manhã, mas sei lá... ela tinha muito medo de perder o emprego. Ainda mais agora que precisava pagar o seu curso.
Na manhã do dia seguinte, Paulo passou pelo barbeiro para aparar o cabelo, tomou um banho no capricho e pôs um pouco de colônia. Vestiu uma de suas melhores camisas e suas calças jeans, que o deixavam bem sexy. Desta vez, levou seu uniforme na mochila, pois achou que este seria o grande dia! com aquela mulher gostosa, louca para dar, ele iria tirar o atraso.
Ana passou a manhã pensando no que iria fazer quando chegasse lá, afinal aquilo já estava virando até um desafio. Como que ela, uma mulher desinibida, que até já fazia improvisos teatrais, podia ficar muda e omissa numa situação dessas? logo ela... mas, isso iria acabar. Hoje ela enfrentaria a fera (chegou a rir, afinal não era pra tanto). Esses guardinhas que só sabem cumprir ordens e não entendem que os balanços são para andar... ora!
Pra dar uma relaxada enquanto tomava a decisão de ir falar com o guarda, Ana levou umas revistas, para ler na praça. Chegou, abriu uma delas e acabou se interessando por uma matéria. De vez em quando, olhava para o guarda para sentir o clima. Trocou de lugar não sei quantas vezes, se mexeu irrequieta no banco, cruzou e descruzou as pernas, andou um pouco, e acabou tomando a decisão: iria falar com ele!
Paulo, já estava até com tesão. Hoje a mulher estava mais atraente e linda do que nunca. De vestido vermelho, não parava de cruzar e descruzar as pernas, decerto querendo lhe mostrar o que tinha por baixo do vestido. E ele, mal se agüentando, louco para terminar o turno... e que ela ainda estivesse por ali. Pois sim, hoje ele iria convidá-la para um motel. Opa, ela tá vindo na minha direção. O que é isso? Nossa! e como ela é bonita... e muito mais gostosa de perto, olha só...

Tá bom... lá vou eu... Ô seu guarda!... Eu te vejo sempre aqui sozinha e...Será que...Fico te olhando, não sei se... por favor, eu poderia... você tem alguém, não gostaria de... andar de balanço?... dar uns amassos num motel?...